MAMÍFEROS MARINHOS
Função pulmonar em morsas

Alicia Borque Espinosa, Bióloga e pesquisadora da Universidade de Valencia e da Fundação Oceanogràfic.
O seu trabalho de investigação centra-se no estudo da fisiologia do sistema respiratório em diferentes espécies de mamíferos marinhos, com o objetivo de melhorar os esforços de conservação para ajudar a proteger estes animais no seu ambiente natural.
Espirometria voluntária para entender a função pulmonar em morsas
Os mamíferos marinhos adquiriram uma série de adaptações morfológicas (ou anatômicas) que lhes deram a capacidade de habitar o meio aquático e que nos permitem diferenciá-los facilmente de seus congêneres terrestres.
Essas adaptações não são apenas externas, mas estendem-se a muitos níveis diferentes, como a anatomia interna ou o funcionamento de diferentes órgãos e sistemas.
Conhecer em detalhe as particularidades dessas adaptações faz-nos entender muito melhor como essas espécies conseguem viver num ambiente tão diferente do nosso.
Por exemplo, embora não possamos distingui-lo a olho nu, o sistema respiratório dos mamíferos marinhos também foi modificado ao longo da sua história evolutiva!
Estes animais possuem estruturas e componentes muito semelhantes ao sistema respiratório dos mamíferos terrestres (orifícios para respirar, traquéia, brônquios, pulmões etc.), mas os mamíferos marinhos desenvolveram uma série de peculiaridades que merecem um estudo e uma atenção especial.
Por que è que o estudo da função pulmonar é importante?
Os pulmões são responsáveis pela troca de oxigênio, mas durante a imersão, estes compartimentos cheios de ar sofrem as consequências da alta pressão da coluna d'água e são comprimidos.
No entanto, é precisamente a anatomia e o funcionamento (ou fisiologia) particulares do sistema respiratório nestes animais que permitem uma troca de ar muito eficaz, ou que pode ser submerso a grandes profundidades sem que os pulmões sofram quaisquer problemas relacionados com a pressão.
Portanto, saber como funcionam os pulmões dos mamíferos marinhos ajuda a entender não sò as suas habilidades de mergulho, mas também as próprias limitações.
Além disso, estes estudos fazem entender melhor como isso afeta a capacidade pulmonar, por exemplo, uma situação de perigo ou doenças respiratórias.
Como é estudada a função pulmonar?
Nos humanos, o estudo da função pulmonar é feito regularmente em hospitais para avaliar possíveis doenças do sistema respiratório.
O procedimento mais comum é a espirometria, teste em que os médicos pedem aos pacientes que realizem uma série de manobras respiratórias (encher os pulmões ao máximo, expulsar o ar com força, etc.).
Esses testes medem parâmetros como o volume ou fluxo (volume dividido pelo tempo) do ar inspirado ou expirado e, a partir dos valores obtidos e do cálculo de índices específicos, os médicos determinam o estado de saúde dos pacientes.
Mas também é possível usar a espirometria em mamíferos marinhos?
Pois bem, como costuma acontecer no mundo veterinário e, principalmente no pequeno mundo dos animais exóticos, temos que buscar a fórmula para adaptar o que já temos para ajudar os animais que queremos.
Neste caso, o Dr. Andreas Fahlman e Alicia Borque Espinosa, pesquisadores da Fundação Oceanogràfic da Comunidade Valenciana (Espanha) e coautores do estudo de que falaremos neste artigo, realizaram um projeto em colaboração com engenheiros e veterinários, o que lhes permitiu desenvolver e adaptar equipamentos para realizar espirometrias em diferentes espécies de mamíferos marinhos.
Graças a este trabalho, pudemos medir a função pulmonar de muitas espécies das quais não tinhamos informações anteriores, desde leões marinhos até belugas! E uma dessas espécies é a morsa do Pacífico.
Conheciamos a função pulmonar nas morsas?
ntes deste projeto, apenas a anatomia do sistema respiratório tinha sido estudada em morsas. É por isso que juntamente com a Dra. Romana Capaccioni Azzati da Universidade de Valencia (Espanha), decidimos ampliar o conhecimento desta espécie por meio do estudo da sua função pulmonar atravès do uso de espirometrias.
Uma característica muito importante da espirometria é que é um teste não invasivo que permite obter dados sem adicionar um componente de desconforto aos animais.
Além disso, para a realização desta pesquisa contamos com a ajuda e colaboração de especialistas no cuidado e treino de morsas que, através de um grande trabalho de treino , conseguiram ensinar a estes animais a realização de espirometrias para obter os dados de que necessitávamos.
Treino de espirometria em morsas
Este projeto colaborativo entre pesquisa e treino foi realizado com três fêmeas adultas de morsa do Pacífico (Odobenus rosmarus divergens) que se encontravam nas instalações do Oceanogràfic (Espanha).
As protagonistas da nossa historia para ser mais exatos chamam-se : Petruska, Ninotchka e Tanya:
A equipa de treinadore encarregados pelo cuidado das três morsas, entre as quais se encontrava Diana Ferrero Fernández (também co-autora deste estudo), trabalhou em estreita coordenação com os investigadores para a concretização dos objectivos do projecto.
Graças a um período prévio de dessensibilização de todo o material que seria preciso para o estudo e treinamento para realização das manobras respiratórias desejadas, os treinadores conseguiram fazer com que as morsas realizassem espirometrias respirando normal ou espontaneamente, e até mesmo proporcionando respirações máximas!
Bastou colocar um espirômetro especialmente desenhado para elas, com superfícies macias para não causar qualquer erosão na pele, nos seus “focinhos”.
Desta forma, e como mostra a fotografia, foi possivel medir os varios parâmetros da função pulmonar, como volume ou fluxo.
Os treinadores foram fundamentais, porque fizeram com que a espirometria fosse uma atividade mais interessante para os animais.
As morsas realizaram espirometrias em três posições: sentadas e repousando sobre as barbatanas peitorais, deitadas e com o corpo submerso na água. Com estas posturas diferentes queríamos saber se havia alterações na função pulmonar relacionadas à posição do corpo ou ao ambiente em que as morsas estavam.
Resultados do estudo
Graças à colaboração de Petruska, Ninotchka e Tanya, sabemos agora que, como acontece com outros mamíferos marinhos, o volume de ar que estes animais respiram é muito maior do que seria esperado para um mamífero terrestre do seu tamanho!
Além disso, as nossas três morsas apresentavam um nível mais alto de flexibilidade nos pulmões do que os mamíferos terrestres, como também tinha sido observado anteriormente noutras espécies de mamíferos marinhos.
Essas adaptações, juntamente com outras particularidades do sistema pulmonar, são o que permitem que as trocas de ar nesses animais sejam tão eficazes.
Além disso, o fluxo respiratório foi menor quando as morsas estavam deitadas em comparação com quando estavam submersas na água, mostrando que esse fator é importante no estudo da função pulmonar.
Importância da sinergia entre pesquisa e treino
A colaboração entre pesquisadores e treinadores foi fundamental para a realização deste projeto de pesquisa.
Graças à comunicação mútua e constante, o estudo foi realizado seguindo critérios fundamentais de bem-estar animal, tanto para os próprios animais, como para a qualidade dos resultados obtidos.
Além disso, o treino deste tipo de comportamento, cuja delicadeza é muito semelhante à do treino veterinário, também proporciona um enriquecimento único aos animais que colaboram connosco.
Animais como Petruska, Ninotchka e Tanya ajudam a entender as habilidades e limitações dos seus semelhantes em situações controladas.
Conhecer estas limitações permite avaliar o nível de risco dessas espécies em ambiente natural. Por exemplo, se a sua preda principal altera o seu modo de viver por causa da mudança climatica e por esemplo começa a viver em aguas mais profundas, os mamíferos marinhos serão capazes de alcançá-las sem problemas?
Este tipo de ciência externa oferece oportunidades importantes e novos conhecimentos para ajudar na conservação do ambiente natural e dos seus habitantes.
Os resultados deste estudo podem ser consultados no seguinte link "www.doi.org/10.1242/jeb.227389" ou a pedido pelo email: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Os autores deste estudo desejam transmitir imensa gratidão a toda a equipa de especialistas e treinadores que, com tanta paciência e determinação, conseguiram transmitir a Petruska, Ninotchka e Tanya tudo o que precisávamos para ajudar a conservar e estudar esta espécie.
Se desejam conhecer mais projetos de pesquisa e conservação relacionados aos mamíferos marinhos, visitem online o nosso laboratório Global Diving Resarch Inc.
Muito obrigado ao team de WeZooit por compartilhar o nosso trabalho com todos os seus seguidores!